POR QUE MINHA FILHA GOSTA DE KARATE-DO, MAS QUER TREINAR MUAY THAI?
Humberto Pereira da Silva
Natal/RN, 08/10/2020
Revisado em 07/06/2024
Algumas coisas nos surpreendem quando nos chegam, mesmo que as vejamos acontecer ao nosso redor, corriqueiramente.
Quem é pai ou mãe sabe que estamos sujeitos a essas situações com nossas filhas e nossos filhos, pois, elas e eles têm livre arbítrio e hoje em dia, principalmente, as crianças e os adolescentes exercem essa possibilidade com muita intensidade. Quando menos esperamos eles nos contestam, nos afrontam, nos surpreendem. Isso sempre ocorreu, mas é cada vez mais forte. Não é à toa a expressão rebelde sem causa. Quem de nós não foi um?
Mas tem coisas que nos acontecem que, mesmo a gente sabendo que tem um motivo justo para acontecer, quando acontecem, nos fazem ficar surpresos, pois achávamos que aquilo não iria acontecer conosco.
Bem, todos nós karateka sabemos que há no mundo do Karate um problema que é muito chato, mas real: sabemos que a eficiência do Karate como arte marcial tem sido posta em dúvida por muita gente, e não sem razão. O Karate é sim uma arte marcial, apesar de muita gente acreditar que é apenas um esporte de luta com regras que limitam o contato entre os competidores de forma que se valorize a velocidade, a plasticidade dos movimentos, que se evitem as lesões que possam ocorrer durante a aplicação dos golpes, enfim, que se valorize o show de uma competição em que os atletas são tão rápidos e seus movimentos tão bonitos de se ver que muitas vezes parecem as coreografias que vemos nos filmes de artes marciais. Um amigo de trabalho, uma vez me perguntou, ao saber que eu praticava Karate, se isso era aquela luta em que um não pode tocar no outro.
Essa forma como o Karate se apresenta para o grande público é fruto de transformações ocorridas há décadas durante a entrada dessa arte marcial no Japão. O Karate, ao contrário do que se pensa no senso comum, não é uma arte marcial japonesa, pelo menos em sua origem. Muitos contestam essa afirmação, porém, um pouco de leitura e mente aberta pode mudar essa opinião. Originado nas ilhas do reino de Ryukyu (Okinawa), sob forte influência das artes marciais vindas da China, o Karate foi introduzido no Japão por alguns professores vindos de Okinawa, sendo que o que atingiu maior êxito nessa empreitada foi Gichin Funakoshi, que é, por isso, considerado o pai do Karate moderno. Nessa entrada no Japão, a arte marcial okinawana precisou passar por modificações que acabaram por desvirtuar, ao longo dos anos, seu lado marcial, suas virtudes de técnica de defesa pessoal, passando a ser cada vez mais visto como um esporte de luta com regras.
Ao assumir essa nova configuração, o Karate tornou-se – e esse foi um dos objetivos das mudanças ocorridas –, um esporte escolar, se bem que seu lado marcial continuou sendo praticado e desenvolvido em outros países e mesmo no Japão, porém, sob as formas impostas por aquele país.
Falando sobre o pouco que conheço da realidade do Karate no Brasil, vejo que há, sim, karateka(s), que o praticam como arte de defesa pessoal, mas a maioria incontestável dos praticantes são competidores e conhecem e dominam as técnicas de luta competitiva atingindo grande habilidade, mas não conhecem o Karate como arte marcial. Praticam os kata apenas para competir e se qualificar nos exames de graduação, mas não conhecem as técnicas de defesa pessoal que estão ali “escondidas”. Praticam o kihon, mas por obrigação. Nas escolas o Karate vai se tornando cada vez mais um esporte utilizado para iniciar as crianças no mundo esportivo/competitivo e para desenvolver habilidades motoras e de socialização e que logo depois de alguns anos ou mesmo apenas meses de prática, abandonam os treinos dessa modalidade em busca de algo mais “legal”. Karate é chato. Tudo bem, coisas de crianças de adolescentes que precisam experimentar coisas diferentes. Aí entram as comparações entre o Karate e outras artes marciais. Uma das que mais aparecem nessas comparações é o Muay Thai.
Não vou falar sobre o Muay Thai pois não conheço essa arte marcial. Sei apenas que seus golpes são poderosos se bem treinados – assim como o Karate - e que também sofre desvirtuação – também como o Karate, mas de uma forma diferente. Sei também que a arte marcial da Tailândia tem “roubado” praticantes do Karate.
Bem, sei que isso tem ocorrido por toda parte, mas dentro da minha casa?? Não, não sou eu quem quer mudar de time, é minha filha.
Ela percebeu que o Karate, da forma como é praticado, com inúmeras e exaustivas repetições de movimentos que parece que nunca vão preparar a pessoa para se defender, nunca vão prepara-la para se defender. Então, ela foi mais pragmática e escolheu praticar Muay Thai.
Ela já praticou Karate competitivo, já ganhou medalhas quando criança, parou de treinar e até tentou voltar, mas agora ela quer aprender a se defender e quer experimentar o Muay Thai.
Em resumo, esta visão que ela tem do Karate é a mesma de muitos praticantes: veem a arte nascida em Okinawa como uma coisa legal, cheia de uma tal filosofia de vida, uma prática bonita, mas para aprender a se defender, preferem praticar Muay Thai ou Jiu Jitsu.
Como diz Juarez Alves sensei, o Karate tem que ter os porradeiros!!!
Pois é, minha filha quer praticar Muay Thai. Ela não é uma rebelde sem causa.
Muito boa a sua reflexão, e é uma triste realidade para quem goata do karate marcial. O karate perdeu a sua base com a grabde quantidade de ajustes que foram feitos para atender as regras das competições "preservar o atleta", essa segurança fez com que conhecimentos escondidos nos kata fossem perdidos. Pobre karate!
ResponderExcluirPois é, meu amigo, os poucos que se dedicam a repassar o que aprenderam nessa linha mais tradicional do Karate ficam isolados ou são visto como professores de um karate feio, ou violento - parecem se esquecer que o Karate é uma arte marcial - já que não atende às exigências e padrões das grandes entidades esportivas. Tudo tem seu valor, mas valores fundamentais estão se perdendo e não é aos poucos, é num ritmo acelerado.
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