NOSSO CONHECIMENTO (IMPRECISO) SOBRE
O KARATE-DO E OUTRAS COISAS DA
CULTURA JAPONESA
Humberto Pereira da Silva
Natal/RN, 19/08/2023
Finalizado em
24/09/2023
A prática das artes marciais japonesas cria em
muitos de seus adeptos a vontade de aprender coisas sobre essas lutas, que vão
além do que se ensina nos Dojo, ou aprofundar o que ali se acessa de
conhecimento. Durante as pesquisas autônomas ou para atender ao que é cobrado
pelas(os) professoras(es), várias fontes são consultadas. Questionamos aqui,
perpassando os conceitos de “indústria cultural” e “semicultura” de Theodor
Adorno e Max Horkheimer e de “socialização” em Peter L. Berger e Brigitte
Berger: quais são essas fontes e como elas influenciam a formação do
conhecimento?
Toda
informação que nos chega e que absorvemos e que passa a fazer parte do nosso
conhecimento sobre o mundo, vem de alguma fonte. Desde crianças somos nutridos
tanto com informações sensoriais como subjetivas e, contemporaneamente, não
somos mais nutridos de informações, mas bombardeados por elas. Logo cedo ocorre
o acesso a meios de disseminação da informação, que podem ser os meios
tradicionais - digamos assim - e, também, os modernos, que não precisamos
enumerar - você deve estar com um deles agora na sua frente.
Entre
os meios que resolvemos chamar de tradicionais, estão, claro, os livros. Este
que escreve o presente texto não teve a oportunidade de presenciar alguém
declarar que os livros são coisas do passado sob a justificativa de que hoje há
os tablets, notebooks, audiobooks, celulares,
etc. (apesar de alguns comentários que vão nesse sentido), mas, diante do
contexto social em que está, pode afirmar, quase com certeza, que muitos dos
nossos jovens e crianças pensam assim e, claro, alguns com idade mais avançada
também.
Aqui
vamos tentar tratar, dentro da nossa grande limitação, das formas que se
utilizam para se adquirir conhecimento teórico no mundo do Karate-Do e que influências essas fontes provocam na formação do
conhecimento do aprendiz.
Há
mais ou menos um século - levando-se em conta que o Karate surge no Japão no início da década de 1920, tempo da chegada
de Gichin Funakoshi àquele país -, praticamente só havia três formas de se
adquirir conhecimento: por meio da leitura, pela oralidade ou diretamente com
um professor ou professora. Hoje em dia, porém, as tecnologias da comunicação
expandiram muito essas possibilidades. O aprendiz pode acessar, a qualquer
momento, informações sobre qualquer assunto, inclusive sobre as artes marciais.
É uma fonte praticamente inesgotável. Mas quantidade nem sempre representa
qualidade. O terreno da internet é
livre e qualquer um pode, a qualquer momento, publicar o entendimento que
quiser sobre as artes marciais.
Da
mesma forma, os livros - sim, eles ainda persistem - sobre artes marciais
existem em grande quantidade e, da mesma forma, quantidade não representa
qualidade. Mesmo assim, quando se escreve um livro, mesmo que haja equívocos, a
intenção é fazer o melhor trabalho possível, o que nem sempre é uma preocupação
nos chamados sites da internet. Mas, diferente da internet, eles não estão em primeiro
lugar na preferência da maioria dos que buscam se informar sobre as artes
marciais e há uma dificuldade maior em acessá-los, uma vez que é preciso
comprá-los. Já a internet é muito
mais barata e prática. Mas a questão aqui não é exatamente o acesso e a
praticidade das opções e sim a preferência por uma ou outra fonte e a qualidade
das suas informações.
Fonte: http://www.associacaoolimpia.com.br/gichin-funakoshi.html
Em
que pese os livros também trazerem informações às vezes equivocadas, a internet os supera em muito nessa
particularidade. Ali estão - como já afirmamos - as mais variadas opiniões, com
e sem uma boa fundamentação a respeito das artes marciais e sobre os aspectos
culturais japoneses que as permeiam. Muitas das vezes, quando há informação a
respeito desses aspectos culturais, elas são verdadeiras mistificações
produzidas em grande parte pela antropofagia cultural[1]
que ocorre no Brasil entre as culturas brasileira e japonesa. Essas informações
da internet são, muitas vezes – mas não
podemos esquecer que há trabalhos sérios ali -, fundamentadas em coisas que se
ouviu falar; copiadas de outras fontes erradas igualmente da internet que vão ganhando notoriedade
pela repetição; outras vezes têm como base textos equivocados ou mesmo interpretações
equivocadas de bons textos, tomadas como verdadeiras e várias outras coisas
duvidosas. Apesar de toda essa questionabilidade de certas informações, elas
continuam formando o imaginário e consequentemente o conhecimento de milhares
de karateka.
Muitos
consideram um preciosismo ou mesmo que a pessoa que se ocupa com essa busca em
saber sobre esse lado teórico do Karate-Do
de maneira mais sólida tenha um Karate
fraco - um equívoco, pois uma coisa não leva à outra -, mas me parece
impossível falar sobre Karate-Do sem
saber o mínimo de pelo menos o básico de algumas coisas da cultura e história
japonesas que estão atreladas a essa arte marcial. Isso seria como querer andar
de bicicleta com apenas um pneu. Pode-se até conseguir, mas, uma hora a pessoa
vai precisar do outro pneu. A esse respeito, citamos
[...] Tais elementos, longe de ser
um prolixo enumerado de palavras, gestos e conceitos, confere à arte marcial a
possibilidade de enobrecer o potencial destrutivo que lhe caracteriza, moldando
o praticante nas doutrinas elevadas de interação social e espiritual.
Compreende-se
assim que a prática marcial desacompanhada de seus elementos filosóficos
originais está condenada a transformar-se irremediavelmente em simples
movimentos plásticos ou, em uma visão mais dramática e pessimista, em potencial
destrutivo irrefreável com sérios prejuízos à disciplina social. Diante disso,
preservar suas tradições significa, de forma simplista, educar e disciplinar
seus praticantes, tornando-os mais empáticos e mais solidários conforme a
influência das filosofias Xintoístas e Budistas que permeiam o Budo japonês.
Como
comparação, poderíamos trazer a prática da Capoeira. Certamente os capoeiristas
sabem porque aquela arte marcial existe, conhecem sua origem, a carga cultural
e histórica que ela carrega e muitos outros aspectos que, para um leigo ou
alguém que não tenha interesse, não fazem parte das técnicas de luta (assim
devem pensar alguns karateka a respeito dos aspectos culturais da sua
arte marcial). Na verdade, as coisas que enumerei no início fazem parte,
sim, da técnica. Tudo que é expresso fisicamente passa antes por uma
subjetividade e reflexão.
Assim,
toda aquela movimentação peculiar que há na Capoeira é fruto de toda a
história, da religiosidade, da mistura com dança e música dos países africanos,
da reverência aos antepassados sofridos pela escravidão e a resistência
aguerrida a ela e de outras coisas culturais que formaram seu ritmo e suas
técnicas (pode-se chamar isso de tradição da Capoeira). No caso do Karate-Do, temos o mesmo fenômeno com
expressão física deferente. Suas técnicas peculiares foram formadas dentro de -
e por - uma cultura e essa cultura, assim como no caso da Capoeira, com toda
sua história, incluídos aí a religiosidade, o militarismo, as guerras, o
respeito aos antepassados, o comportamento aguerrido do japonês, etc. (notemos
as coincidências), está expressa nas técnicas (pode-se chamar isso de tradição
do Karate-Do). Por isso, alguém que diga que entende de Karate-Do - e não apenas Karate - precisa ter algum nível de
conhecimento que possa lhe dizer, pelo menos, o que é Karate-Do e como ele se tornou o que é. Ninguém da Capoeira poderia dizer que a Capoeira não é uma forma
de expressão cultural e, da mesma forma, deveria ser com os praticantes de Karate-Do.
Depois
de todo esse adendo, outra coisa que costuma servir de fonte de informação para
o público das artes marciais é o cinema. Geralmente, filmes fantasiosos recebem
a atenção do público e aquilo acaba formando um conhecimento totalmente distorcido.
Os filósofos Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1976) abordam
essa questão por meio do conceito de “indústria cultural”. Segundo eles, as
várias formas de disseminação de cultura de massas como música e cinema,
tornaram-se, com o tempo, apenas produtos empacotados para serem vendáveis e facilmente
consumíveis, para fazerem o público não pensar ou refletir sobre o tema da obra
apresentada (quando há um tema), não gerando discussões ou contestações, uma
vez que o público recebe exatamente aquilo que esperava, ou seja, os filmes e
as músicas causam exatamente as sensações que o público esperava (não os
incomoda nem provoca) e assim as massas são, inclusive, controladas,
aquietadas.
Essa
característica da indústria cultural provoca no público um efeito de
acomodação. As pessoas consomem uma arte que não as perturba e elas, por sua
vez, não se preocupam em ir além daquilo que lhes foi passado, dando origem a
um conhecimento incompleto (mas que lhes dá a impressão de saber algo
autêntico), o que o filósofo já citado Theodor Adorno denominou de
“semicultura”. Esse fenômeno é muito comum nos Dojo no Brasil, infelizmente.
A
semicultura no Karate-Do
Como
praticamos algo (o Karate-Do) que vem
de uma cultura muito diferente da nossa, e que tem variados aspectos, podemos
fazer a opção de praticá-lo de forma superficial, buscando só um ou poucos
desses aspectos, ou podemos tentar buscar o máximo que pudermos abarcando tanto
sua parte física como sua parte mais teórico/filosófica. Pensando em motivos
para optar pela segunda alternativa, podemos dizer que essa é importante
porque, assim fazendo, estaremos contribuindo para o nosso correto e mais
completo que for possível aprendizado a respeito tanto do Karate-Do como da cultura onde ele surgiu e se desenvolveu e,
ainda, para que essa cultura que veio para o nosso país não se perca, correndo
o risco de se tornar só mais um produto capitalizado e vazio.
Afirmar
que o Karate pode se tornar ou mesmo
já se tornou um produto capitalizado e vazio, ou seja, um mero produto do
sistema capitalista, parece muito pesado, mas é uma realidade, queiram ou não.
Toda a nossa sociedade é formada dentro de um sistema que se funda sobre o capitalismo,
sobre a necessidade de gerar lucro, de vencer o outro, e o mundo do Karate não está fora disto. Assim,
Se
continuarmos refletindo sobre o Karate-Do
moderno, chegaremos inevitavelmente a outro aspecto consequente do processo
evolutivo visto acima: a sua comercialização. É natural que a ocidentalização,
a esportivização e o direcionamento capitalista da sociedade gerassem
consequências significativas no ensino da arte marcial. A própria adaptação do Tode em Karate-Do foi influenciada pela Restauração Meiji, que a partir de 1868 propiciou a abertura econômica e
cultural japonesa, derrubando de forma praticamente abrupta a hermética cultura
das “elites sociais”.
Mas
seguir por essa segunda opção (praticar um Karate-Do
de forma mais aprofundada em seus aspectos culturais) implica em estudar, e
estudar pode nos levar a certas descobertas que podem causar desilusões, ou
seja, podemos ficar tristes porque estávamos felizes dentro de uma ilusão e
essa ilusão, de uma hora para outra, se vai. Deve-se, portanto, fazer uma
escolha. Talvez em nome da honestidade consigo e com os colegas de prática, se
escolha seguir em frente e pôr em prática na sua própria vida essas descobertas
ou, ao contrário, deixar pra lá e que as coisas continuem como estavam, sem
perturbação. Geralmente, se escolhe a segunda alternativa.
Na nossa opinião, nesse caso, o maior prejuízo
é para o próprio Karate-Do e para a
cultura japonesa, tão rica e, nesse caso, tão empobrecida, uma vez que se torna
vítima de uma sua disseminação feita atendendo a interesses nobres por um lado,
já que pode estar atendendo a necessidades urgentes de não se perder o chamariz
para seu público, mas por outro, causa o esfacelamento dessa mesma cultura.
Isso ocorre porque muitos professores e professoras de Karate-Do não querem causar perturbação em seus alunos, nem nos
pais deles, nem em seus colegas de Karate
e nem mesmo em si próprios – e não podemos deixar os patrocinadores de fora
-, e preferem não pôr em prática um conhecimento mais aperfeiçoado e mais
honesto sobre o Karate-Do e a cultura
japonesa, sob o temor de que, sabendo que a história não é bem assim, esses
alunos e colegas vão perder o encanto pelas coisas que os atraíram e formaram
seus imaginários desde criancinhas, vão se afastar do Karate-Do e com
isso, vão afastar os patrocinadores, com o que discordo. Tive essa discussão
recentemente em um grupo de estudos e defendi este ponto de vista discordante.
Creio
que há aí duas coisas a serem consideradas: uma é o conceito de socialização e
outra é a capacidade das crianças, que anos mais tarde serão adultos e adultas,
de receberem um conhecimento mais aperfeiçoado sobre a arte marcial que talvez
contradiga o que tinham aprendido.
A
socialização no Karate-Do
A
questão da socialização se refere a o que se fornece às crianças e também aos
adultos para que sejam formadas suas subjetividades. Sobre a socialização das
crianças, Peter Berger e Brigitte Berger afirmam:
[...]
São os outros que criam os padrões por meio dos quais se realizam as
experiências. É só através desses padrões que o organismo consegue estabelecer
relações estáveis com o mundo exterior – e não apenas com o mundo social, mas
também com o da ambiência física. E esses mesmos padrões penetram no organismo;
em outras palavras, interferem em seu funcionamento. São os outros que
estabelecem os padrões pelos quais se satisfaz o anseio da criança pelo
alimento. E, ao procederem assim, esses outros interferem no próprio organismo
da criança. O exemplo mais ilustrativo é o horário das refeições. Se a criança
é alimentada somente em horas determinadas, seu organismo é forçado a
adaptar-se a esse padrão. E, ao realizar o processo de adaptação, suas funções
sofrem uma modificação. E o que acaba acontecendo é que a criança não apenas é
alimentada em horas determinadas, mas também sente fome nessas horas. Numa
espécie de representação gráfica, poderíamos dizer que a sociedade não apenas
impõe seus padrões ao comportamento da criança, mas estende a mão para dentro
de seu organismo a fim de regular as funções de seu estômago. O mesmo aplica-se
à secreção, ao sono e a outros processos fisiológicos ligados ao estômago
Assim,
com este exemplo simples, os autores mostram que existe um processo em que a
criança é acostumada de determinada forma para que se encaixe nos padrões da
sociedade em que nasceu. A criança não é, ela se torna. Da mesma forma ocorre
no ambiente do Karate-Do: os alunos e
as alunas, independentemente de serem adultos ou crianças, recebem uma
socialização para se tornarem karateka.
Se tornam aquilo que essa socialização lhes impõe. A esse respeito, os mesmos
autores fazem as seguintes colocações:
Vemos
que uma das maneiras de encarar o processo de socialização corresponde àquela
que se poderia designar como a “visão policialesca”. Segundo ela, a
socialização é vista principalmente como uma série de controles exercidos de
fora e apoiada por algum sistema de recompensas e castigos. O mesmo fenômeno
pode ser examinado sob outro ângulo, que pode ser considerado mais benigno. A
socialização passa a ser considerada um processo de iniciação por meio do qual
a criança pode desenvolver-se e expandir-se a fim de ingressar num mundo que
está ao seu alcance. Sob este ponto de vista a socialização constitui parte
essencial do processo de humanização integral e plena realização do potencial
do indivíduo. A socialização é um processo de iniciação num mundo social, em suas
formas de interação e nos seus numerosos significados. De início, o mundo
social dos pais apresenta-se à criança como uma realidade externa, misteriosa e
muito poderosa. No curso do processo de socialização este mundo torna-se
inteligível. A criança penetra nesse mundo e adquire a capacidade de participar
dele. Ele se transforma no seu mundo.
Acredito
que a partir do momento em que as professoras e os professores passarem a
formar o conhecimento de suas alunas e seus alunos com informações mais
precisas e honestas sobre o Karate e
sua história, sem fantasias, sem desonestidades e mistificações ou para atender
apenas a interesses externos aos Dojo e,
da mesma forma sobre a cultura japonesa, no que for necessário para entender o Karate-Do, essas alunas e esses alunos
vão - nesse processo honesto de socialização - crescer sem motivos para futuras
desilusões e creio, também, que esses futuros karateka serão um verdadeiro diferencial no caminho e serão,
também, gratos a quem lhes repassou os conhecimentos. Inevitavelmente essas
pessoas serão o futuro do Karate-Do e
seus feitos desfarão o prejuízo causado por uma disseminação de informações
distorcidas realizada no passado.
O
que foi feito errado pode ser corrigido. Ainda há tempo.
Sobre
a capacidade de as crianças ou adultos receberem, agora ou mais na frente,
conhecimentos que ponham por terra o que vinham aprendendo até então, basta que
façamos a nós mesmos a pergunta: será que se eu ficar sabendo que o ou a sensei fulano de tal, conhecido ou
conhecida por ser grande praticante do Budo,
um exemplo a ser seguido, é na verdade uma pessoa deplorável, ou se eu
descobrir que não existe Bushido como
me disseram até ontem, ou ainda, que os samurai, não eram pessoas sem
defeitos, eu (sim, eu mesmo) vou, por esses motivos, abandonar o Karate-Do, ou tenho a capacidade de superar isso? Caso a resposta
seja negativa, parte (só parte) da culpa não será minha, mas das pessoas que me
formaram um adulto fraco. Porém, se a resposta for positiva, ou seja, se eu
tiver a capacidade de superar uma mentira/equívoco do passado e fazer do novo
conhecimento a base do meu caminho, estará provado que os erros do passado
podem ser corrigidos e que não será por causa da superação dos erros do passado
que o Karate-Do vai morrer, pelo
contrário, tanto ele como sua autêntica cultura vão prosseguir.
Ora,
o que é que está dado neste mundo que não pode ser modificado e melhorado?
Sobre isso,
[...]
as instituições sociais são, por seu caráter de coisas construídas, todas
revogáveis, embora não conforme apenas nossas vontades individuais e nem sempre
no tempo pretendido por essas vontades. Mas, ao menos isto é certo: tudo o que
existe como instituições humanas, datadas historicamente, e, por isso,
inteiramente modificáveis, substituíveis, e por decisão humana, nunca por
mágico efeito do “tempo”. [...] Dito de outra maneira: nós, humanos, como
indivíduos, grupos, classes, sistemas sociais ou governos políticos, optamos
por manter diversas instituições sociais, como aí estão e atuam, ao invés de
optarmos por modifica-las, substituí-las.
Hoje,
a desculpa de que o conhecimento sobre as coisas da cultura japonesa não é
acessível não tem lugar, pois a qualquer momento se pode acessar informações
confiáveis a respeito, portanto, manter vivas certas “verdades” que podemos
classificar como falácias a respeito das coisas do Karate-Do e,
portanto, do Budo, é uma decisão. Tal decisão não é, porém, apenas das e
dos professoras e professores, mas, também de suas e seus alunas e alunos, uma
vez que a todos está disponível o conhecimento, tanto pelos meios de
disseminação que chamamos de tradicionais como pelos que chamamos de modernos,
e também pelo fato de que todos são livres para explorar esses conhecimentos,
não precisando da permissão de alguém.
A
mim não me resta dúvida de que o Karate-Do
e parte da cultura que deve estar a ele agregada correm grande perigo por conta
da influência causada pelas futilidades da modernidade apressada. Ela provoca
nas pessoas uma ânsia – ou ansiedade, para utilizar uma palavra mais em moda - de
consumir cada vez mais rápido, tanto coisas, como informações (que vão se
tornando cada vez mais de má qualidade), não permitindo que elas se aprofundem
demorada e pacientemente, dando preferência aos pratos prontos da indústria
cultura. As e os karateka tornam-se, assim, consumidoras e consumidores de
semicultura, inclusive no mundo do Karate.
Porém, o antídoto para isso é a busca e disseminação de informação cada vez mais correta e a superação do medo de estar deixando para trás conhecimento construído sobre um terreno frágil de achismos e repetições mecânicas irrefletidas, em nome de mudanças que podem incomodar quem estava confortável, mas que farão surgir uma geração fundada firmemente em cima de um saber que não teme ser confrontado.
Obras Citadas
1. BERGER, P.,
& BERGER, B. (1977). Sociologia e sociedade: Leituras e introdução à
sociologia. (M. M. FORACCHI, & J. d. MARTINS, Trads.) Rio de Janeiro,
RJ, Brasil: LTC - Livros Técnicos e Científicos Editora S.A.
2.
SANCHES, E. J.
(2021). Ikken Hissatsu: As origens do Karate-Do. União da Vitória, PR,
Brasil: Kaygangue LTDA.
3.
SOUSA, A. F.
(2022). Utopia para o presente: pelo fim de condições que produzem o
sofrimento humano evitável (1ª ed.). Jundiaí, SP, Brasil: Paco Editora.
[1]
Antropofagia cultural é o termo que expressa o
fenômeno cultural em que, ao ocorrer o choque entre duas culturas, uma absorve
ou se alimenta da outra, causando não necessariamente o desaparecimento de uma
cultura, mas o surgimento da outra nesse processo de mistura.