A FILOSOFIA “DO KARATE-DO” E
SUAS FORMAS DE TRANSMISSÃO: UMA BREVE PESQUISA SOBRE OS EFEITOS DA TRANSMISSÃO
ORAL PARA ESSES CONHECIMENTOS
Humberto Pereira da Silva
Natal/RN,
10/12/2022
Conforme informamos em
(SILVA, Meus aprendizados sobre o Karate,
2022), trazemos aqui uma adaptação do
texto ”A filosofia “do Karate-Do” e suas formas de transmissão: uma breve
pesquisa sobre os efeitos da transmissão oral para esses conhecimentos” (SILVA,
2022) que se trata de uma pesquisa
simples realizada para um trabalho acadêmico. Consideramos simples a própria
pesquisa, porém, o tema, por ainda ter muito a ser explorado, não. Como o
trabalho acadêmico ficou muito extenso, apresentamos aqui uma versão reduzida
sem informações que talvez não nos interessem[1].
INTRODUÇÃO
No presente trabalho se procurarão entender aspectos da forma de
transmissão do componente filosófico do Karate-Do
e se farão algumas colocações sobre sua história – mesmo que apenas com o
objetivo de situar algumas coisas e de forma não aprofundada, pois este segundo
ponto (as colocações sobre história) não é seu objetivo principal.
Assim, focaremos na questão da
transmissão da filosofia por meio da oralidade, uma vez que, conforme
(NAKASONE, 2005, p. 3), “É a preocupação com os aspectos espirituais, insistia
o mestre Funakoshi, que transforma o karatê,
de mera arte marcial, no karatê-do,
num Caminho”, e dessa análise
decorrerá todo o trabalho. Apesar de alguns praticantes de Karate opinarem no sentido de que isso não é importante, ou que
pode ser deixado de lado em favor de outros princípios mais materialistas,
insistimos no contrário - e não estamos aqui afirmando que a prática deve ser
deixada de lado em favor da teorização, já que o Karate-Do é uma luta -, pois, como nos ensina inequivocamente
Gichin Funakoshi[2],
estudado em (NAKASONE, 2005, p. 10), “O pensamento acima da técnica”, ou, como
em outras traduções, “技術より心術. Gijitsu yori
shinjitsu: O espírito é mais
importante que a técnica” (LAGE, s.d.). Como objetivo mais amplo, procuraremos
entender como o Karate-Do, mesmo
tendo passado por tantas transformações e divisões ao longo do tempo e do
espaço, consegue manter, em alguma medida, sua forma peculiar de ser, sobretudo
no aspecto filosófico, quando a sua principal forma de propagação é – segundo
nosso entendimento inicial - a transmissão oral, com suas dificuldades
potencializadas pelo obstáculo que é a língua japonesa. Procuraremos saber se as(os)
sensei[3]
consideram eficiente essa forma de transmissão dos aspectos filosóficos da arte
marcial vinda do Japão e nascida em Okinawa, pois acreditamos que a transmissão
oral é, em grande parte, responsável pelas distorções e desconhecimento desses
mesmos aspectos. De forma mais específica, tratamos, a
partir de uma visão sócio antropológica, a respeito de como se realiza a
transmissão dos componentes filosóficos do Karate-Do
- tomando-o aqui como uma expressão da cultura japonesa agindo em território brasileiro
nos seus diversos locais de prática, inclusive nas universidades -
especialmente por meio da oralidade, em detrimento de outras formas mais
sistemáticas de ensino.
Estuda-se, também – uma vez que as
questões lançadas aos entrevistados acabam por revelar isso -, como se comporta
atualmente o estudante de Karate-Do
(faixa preta[4] ou
não) diante da necessidade de buscar esses conhecimentos teóricos e filosóficos
fora do dojo. Também são analisadas
as consequências desse movimento de autoaprendizagem para o correto
entendimento dos preceitos filosóficos que permeiam a prática do Karate-Do. Assim, levando-se em consideração que
foca-se aqui no aspecto filosófico do Caminho das Mãos Vazias e que as
filosofias "instituídas" mundo afora estão registradas em textos
escritos, procuramos verificar se os(as) professores(as) consultam e
recomendam, ou não, a leitura de livros que tratem das filosofias que dão base
ao Karate-Do.
Portanto, levando-se
em consideração as transformações pelas quais o Karate tem passado ao longo de tanto tempo; a parcial eficiência da
tradição oral em conservar intactos conhecimentos teórico-filosóficos; que os
costumes japoneses, por meio do Karate, agem
na sociedade brasileira e que, diante do pouco espaço dado ao ensino das
questões filosóficas nas aulas, os alunos acabam por buscar em outras fontes
esses conhecimentos, surge a pergunta de partida que deve nortear nossa
pesquisa: quais os efeitos da prática de se transmitirem oralmente os
fundamentos filosóficos do Karate-Do,
para a conservação e correto entendimento desses mesmos fundamentos e a
importância dessa forma de transmissão frente a formas mais sistemáticas de
fazê-lo?
ENTREVISTAS E A OBSERVAÇÃO
Para este trabalho de pesquisa
realizamos entrevistas com professores de Karate-Do
com larga experiência no ensino dessa arte marcial, no âmbito do ginásio de
esportes do Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) e também fora dele. Também entrevistamos professores que residem em
outras cidades e mesmo Estados, como Roraima e Brasília/DF. Finalmente, foi
utilizada a observação do próprio pesquisador sobre os processos de ensino e
aprendizagem em questão, uma vez que ele é praticante do Karate-Do.
Procurando aferir as contribuições
positivas e/ou negativas da transmissão oral para a perpetuação do aspecto
filosófico do Karate-Do, incluímos no
planejamento da pesquisa, a realização, ainda que por alto, de uma espécie de
comparação entre duas realidades da transmissão da arte do Karate-Do, pois, alguns dos professores a serem entrevistados e
também observados, por exemplo, Juarez Alves, conhecido como "o pai do Karate do Rio Grande do Norte",
título informal que tem por ser o primeiro karateka
do nosso Estado, é um professor formado numa época em que o ensino do Karate era voltado primordialmente para
uma competição esportiva muito severa, situação que dava pouco espaço para o
aprendizado e ensino dos princípios teóricos e filosóficos que compõe a arte, e
outros professores que, devido a praticarem o Karate-Do[5]
em uma época em que este adquire um aspecto mais educacional que marcial[6] e,
em muitos casos, devido a uma formação intelectual mais aprofundada, têm uma
forma de ensinar que revela uma preocupação diferente da dos seus professores,
trazendo para seus alunos um conteúdo teórico e filosófico bem mais
considerável. Dessa comparação,
observamos que, tanto uns como outros, utilizam-se, preferencialmente, da
tradição oral e da demonstração para transmitir seus conhecimentos, cada um à
sua forma, ou seja, a forma de ensinar é basicamente a mesma pela qual
aprenderam.
O RESULTADO DA PESQUISA
Durante duas das
entrevistas foi levantada a observação - que antes não havia sido levada em
consideração para a elaboração da pesquisa e que acabou influenciando nosso
entendimento da questão alvo do estudo -, de que o conhecimento filosófico do Karate-Do também se transmite muito pela
observação do aluno em relação ao professor e vice-versa. Um dos dois sensei diz que o professor experiente é
capaz de observar o comportamento e a expressão corporal do aluno e ler no seu
corpo várias características, procurando, então, fazer com que o aluno haja
cada vez mais de forma adequada ao que se busca de um praticante de Karate-Do, dentro do Budo. Por outro lado, afirma que o aluno
deve ter a capacidade de perceber que o sensei
está, por meio da sua conduta e postura físicas, transmitindo princípios
filosóficos. O outro professor afirma que procura ensinar, de alguma forma, a
filosofia, por meio da prática, ensinando que a conduta respeitosa aprendida no
Dojo deve ser levada para fora, para
a vida como cidadão.
Dessa forma, a
prática das técnicas de luta se revela, conforme esses dois professores, uma
maneira de abordar os conceitos filosóficos da arte marcial. Isso nos deu um
novo olhar sobre o alvo da pesquisa. Tal novidade não pôde ser, a partir de
então, deixada de lado, pois, o próprio pesquisador, utilizou-se da sua própria
observação a respeito da forma como os professores transmitem seus
conhecimentos filosóficos e passou a ser um novo parâmetro da pesquisa, apesar
de não central, pois o objetivo continua sendo investigar o efeito da oralidade
no universo do Karate-Do.
Durante a pesquisa,
observamos que o Karate-Do não é um
criador de uma filosofia, ou seja, não foi criado um conceito filosófico dentro
dele e por ele[7],
mas, sim, que ele se apropria de conceitos e princípios filosóficos, religiosos
ou espiritualistas, e de outras naturezas e os utiliza para si. Portanto, observamos que, quando dizemos repetidas
vezes “filosofia do Karate-Do”, nos
referimos a um conjunto de princípios da cultura japonesa e de outros povos que
influenciaram de alguma forma essa arte marcial.
UMA
DISCUSSÃO SOBRE O QUE FOI ENCONTRADO NA PESQUISA
- A transmissão oral distorce o conhecimento
Conforme já mencionamos na introdução,
acreditamos que a transmissão oral dos conhecimentos filosóficos do Karate-Do causa-lhe distorções,
inclusive, graves. Neste sentido, afirma (FILHO, Francisco Dutra, 2015, p. 49):
A comunicação verbal oralizada esbarra em muitos
limites, dentre os quais, a existência de informações transmitidas como
resultado de apreensões sensório-afetivas sendo, portanto, insuficientes à
construção da verdadeira história quanto aos primórdios do Karate.
Ainda na mesma obra, (FILHO, Francisco
Dutra, 2015, p. 52) comenta a afirmação de Gichin Funakoshi sobre o que se sabe
sobre as origens do Karate, dando seu
entendimento sobre as deficiências dessa forma de transmissão dos
conhecimentos:
Entretanto, mesmo para esse grande mestre, que se
dedicou a sistematizar e aperfeiçoar o Karate,
a verdade sobre a sua origem é algo que pode, apenas, ser deduzido com base em
velhas lendas, oralmente transmitidas, as quais, como ele mesmo afirma, por
serem criações imaginárias, são passíveis de incorreções.
Entram nessa discussão, também, as
dificuldades do pesquisador em buscar se informar sobre os assuntos que são
repassados entre as gerações por meio de uma tradição oral, uma vez que os
relatos dos responsáveis por elas não vão ter (quase nunca) o conhecimento
completo, mas fragmentos deles. Isso ocorre no meio do Karate-Do, que afirma ser parte de uma tradição chamada Budo, mas que poucos sabem explicar do
que se trata. Sobre isso trazemos as colocações de (CALDEIRA, 1988):
Entre os Sarmakas, o conhecimento sobre
o passado, e especialmente sobre o First-Time, é privilégio de alguns velhos, e
é algo que não deve ser contado indiscriminadamente. [...] Assim sendo, só se
contam fragmentos, e as pessoas interessadas em história, sobretudo na história
do First-Time, têm que juntar fragmentos dispersos oferecidos em diferentes
momentos pelos velhos. [...].
Ao escrever First-Time,
Price teve, então, que enfrentar uma série de questões impostas pelo próprio
objeto de análise. Ele teve que lidar com a memória dos Saramakas e com
documentos sobre a sua história, com diferentes versões sobre o passado e a
impossibilidade de dizer o que ele realmente foi.
Nesta citação podemos ver reflexos tanto
da ineficiência de se transmitirem conhecimentos de forma apenas oral, pois uma
hora eles se tornam incompletos, imprecisos e fragmentados, como das
dificuldades de se buscar reconstruir um passado com base apenas nisso, e aqui
tratamos do passado do Karate.
Essa ineficiência da transmissão oral
desse tipo de conhecimento no Karate-Do é
muito simples de se constatar, bastando, para tanto, questionar alguns Karateka a respeito do conceito de Budo, um dos mais ligados ao Karate-Do. De acordo com (Tokitsu, 2012,
p. 23), Budo é um conceito moderno
que tem como objetivo o treinamento do ser humano como um todo, intelectual e
fisicamente, fazendo uso das disciplinas tradicionais de combate. Porém, não se
sabe porque, no Brasil, surgiu o termo “karate
budo”, que designa uma forma de Karate
necessariamente violento e que não objetiva uma prática ligada a um crescimento
do praticante no âmbito mental, moral, intelectual ou espiritual, coisas que
estão na raiz do Karate-Do. Não
restam dúvidas de que os praticantes de Karate
no Japão - onde ele está mergulhado no Budo,
uma vez que esse é um componente importantíssimo da cultura daquele país e que
não embasa somente a prática das artes marciais - desenvolvem uma bravura impar
em combate, porém, ali o objetivo não é apenas derrubar o adversário, como
muito se ensina no Brasil, mas, por meio da prática austera e, pode-se dizer,
ascética, buscar um crescimento interior, práticas comuns, inclusive, nas
religiões daquela região.
Ocorre que este conceito distorcido
ganhou espaço e passou a ser difundido pelo “boca a boca” em nosso país,
chegando até os dias atuais e sendo citado como uma forma eficiente de Karate. Sem entrar na discussão mais
aprofundada a respeito desse termo (karate
budo), queremos apenas utilizá-lo aqui como um exemplo de como a prática da
transmissão oral dos conceitos filosóficos do Karate-Do causam-lhes problemas, coisa que poderia ser corrigida
por meio de outras formas mais eficientes de se obter e transmitir
conhecimento, em parceria com a oralidade.
Qualquer karateka sabe o que é o Dojo
Kun. Grande parte também sabe o que é o Niju
Kun. Mesmo que algum não saiba o que são essas coisas, já deve ter ouvido
falar. Também é do conhecimento de grande parte dos praticantes de Karate que Gichin Funakoshi criou os
famosos lemas do Karate, ou seja, os
dois acima mencionados. Porém, há um detalhe que poucos de nós sabemos sobre
esses conhecimentos que parecem tão sedimentados entre alunos e professores:
Gichin Funakoshi realmente criou o conjunto de fundamentos chamado Niju Kun, havendo, inclusive, livro a
respeito (NAKASONE, 2005), porém, há controvérsias sobre quem teria criado o
outro conjunto denominado Dojo Kun.
Fazendo pesquisas pela internet, facilmente encontramos,
repetidas vezes, as mesmas informações, tanto afirmando que Funakoshi teria
criado o Dojo Kun, como a divulgação
desses lemas sem se informar de quem é a autoria, prática muito comum nos
locais de prática de Karate. Em
conversas com um respeitado professor de Karate-Do[8],
conhecido por ser um estudioso muito dedicado dessa arte marcial, foi por ele
informado, tanto verbalmente - e parece que, neste caso, a informação verbal é
confiável - como por escrito em uma apostila, que a autoria do Dojo Kun não é de Funakoshi sensei. Afirmamos que a informação acima é
confiável, tanto pela seriedade da pessoa que a transmitiu como por termos
encontrado em (Instituto Shinjigenkan do Brasil, 2021), uma fonte também séria
de informações, a confirmação do que nos foi transmitido oralmente.
Neste caso, ficam demonstradas duas
coisas: uma é que, realmente, a informação sendo repassada apenas verbalmente
(ou por outros meios) através dos tempos, sem a preocupação da verificação,
pode causar distorções graves para o conhecimento tanto do presente como do
futuro, e que, se a informação a ser repassada verbalmente for de alguém que
tenha a preocupação de dar fundamentação a ela, fatalmente ocorrerá a
transmissão de uma informação muito mais precisa.
Assim, conforme informações retiradas de
um questionário realizado na pesquisa, verificamos que, desses momentos de
ensinamento oral nas aulas de Karate-Do,
a não ser que seja algo mais bem organizado como um momento específico para a
transmissão desses conhecimentos, ou mesmo um conceito bem exemplificado
durante a prática, os alunos lembrarão frases soltas, como se não fossem
retiradas de ou utilizáveis em nenhum contexto, apenas copiadas e coladas de
algum lugar, como recortes de alguma história que ouviram falar.
Pelo que observamos tanto das
entrevistas como das respostas aos questionários, tanto de forma explícita como
de forma implícita, os praticantes de Karate-Do
não recebem de forma satisfatória os conhecimentos dos seus conceitos
filosóficos pela via da oralidade e/ou demonstração, tendo que buscar se
esclarecer sobre eles em fontes fora dos dojo
e mostrando muita insegurança ao responder perguntas sobre esses mesmos
conceitos.
A razão mostra que é impossível que
alguém possa ensinar o significado de um conceito filosófico ou espiritual por
meio de movimentos de luta, por exemplo: como ensinar o que significa e porque
se pratica o mokuso sem uma
verbalização ou escrita bem organizada e direcionada, esperando que o aluno
aprenda suas reais finalidades apenas pela repetição? Pela repetição pode-se
criar uma ideia dos motivos de se praticar aquilo, mas essa ideia ficará sempre
envolta em incerteza, até que se encontre uma informação precisa sobre ela.
2.
A transmissão do conhecimento por meio da observação e demonstração fica
no campo do implícito e não do efetivamente demonstrado
Sobre a afirmação trazida em duas das
entrevistas realizadas de que uma das formas de transmissão dos conceitos
filosóficos aqui abordados é a observação do aluno por parte do sensei que, percebendo imperfeições e
corrigindo sua postura em luta, tem, então, oportunidade de lhe transmitir
conceitos além da prática e, também, a observação feita pelo aluno ao seu
professor, momentos em que, mesmo não sendo algo intencional, acaba absorvendo
elementos transmitidos por meio do comportamento dele, temos algumas colocações
a fazer.
Consideramos que esse método levanta
questões muito aproximadas das que fazemos aqui em relação à transmissão oral
no que toca à eficiência, uma vez que muitos professores e professoras não
sabem nem observar nem expressar pelo movimento corporal os conceitos
filosóficos profundos trazidos pelo Karate-do.
Não somos totalmente céticos de que algo de filosófico ou do mundo das ideias
pode ser passado àqueles que observam apenas o movimento, a postura, o
comportamento físico, principalmente se tratando da cultura oriental, em que o
corpo fala muito.
Quem não se impressiona ou não tira
alguma conclusão e, por consequência, aprende algo sobre essas culturas quando
observamos as reverências feitas a todo momento em cumprimento a uma etiqueta
social complexa? Mas, ainda assim, é um conhecimento transmitido de forma
oculta, implícita, com base em percepções abstratas, sem uma explicação bem
elaborada que possa proporcionar um aprendizado sedimentado e que possa ser
repassado de forma segura à frente.
Quando se assiste a um karateka executando um kata, logo se imagina ou se comenta com
quem está ao lado algo como, “nossa, o Karate
exige muita disciplina, né?!!”, ou, “nossa, o Karate ensina muito a disciplina, né?!!”, e só.
Porém, (LOWRY, 2011, pp. 21-22) ensina
um interessante princípio a ser levado em consideração ao se observarem as
práticas japonesas, e ele se utiliza, justamente, da observação da prática dos kata:
Alguns leitores devem saber da existência das duas
“faces” do comportamento japonês, tatemae
e honne. Estas são, respectivamente, a conduta que o japonês deve mostrar
ao mundo – o rosto que mostram para as pessoas que estão fora de seus círculos
de conhecidos íntimos – e os verdadeiros sentimentos dele que podem
frequentemente ser opostos. [...] Essas facetas são chamadas, entre outras
formas, de omote e ura. O lado omote de uma arte são as técnicas visíveis e suas manifestações. O omote de um kata, por exemplo, pode ser o que um observador desinformado quanto
ao treinamento vai pensar que é uma sequência de combates combinados com
antecedência. [...] A face ura do
mesmo movimento, entretanto, pode ser completamente diferente. O suposto
bloqueio pode ser na verdade um golpe, cujo significado está oculto por uma
distância enganadora entre os dois praticantes
Para se ter uma ideia da complexidade
desses conhecimentos que se pretende transmitir apenas pela expressão do corpo,
citamos (FILHO, Francisco Dutra, 2015, p. 47):
A preponderância do Zen na cultura do Extremo Oriente contribuiu para que as suas artes
pudessem se destacar entre as criações do espírito humano. As artes marciais
japonesas integram esse conjunto de obras, de valor inestimável para a
humanidade, especialmente aquelas voltadas à construção de um caminho
espiritual. O Karate-Do Shotokan Tradicional
é uma dessas valorosas artes marciais japonesas, que, embora tenha evoluído de
um sistema que possibilitava, mesmo sem uso de armas, aniquilar o oponente com
um único golpe (todome-waza),
prioriza a evolução espiritual de seus praticantes.
Sabe-se que, no Japão, essa forma de
ensinar artes marciais (apenas pela demonstração) é muito comum. Os alunos
apenas fazem o que lhes é determinado e o costume de fazer muitas perguntas aos
professores, às vezes tão comum na nossa cultura, algumas até constrangedoras,
não é comum, pois, como afirma (LOWRY, 2011, p. 136), o dojo não é uma democracia, apesar de o sensei não ser um ditador. Sobre tudo isso, (LOWRY, 2011, p. 138)
ensina:
O sensei é um modelo, o padrão para a arte
que ele ensina, e isso explica muito sobre o segundo fator de contribuição no
desenvolvimento cultural do Japão quanto ao desenvolvimento do sensei: a transmissão direta de
conhecimentos. Como já percebemos, a falta de material publicado influenciou a
preferência do tipo de ensinamento de pessoa para pessoa no antigo Japão. Mas,
além disso, estava a inclinação pelo imediatismo, pelo relacionamento entre o
professor e o ensinamento, que ia bem além do toma lá dá cá comum e pedagógico
que experienciamos na educação. No ryu
clássico, o líder representa mais do que apenas a fonte de experiência. Ele não
apenas ensina a mecânica do ryu. Ele
é, de uma maneira muito real, a própria personificação do ryu, que pode ser imaginado como um corpo unificado. Seus membros
compartilham histórias e tradições, além de uma perspectiva particular das
coisas, e habilidade técnica. (Essa é outra razão crítica pela qual o ryu não é facilmente adaptado para uma
disseminação em larga escala). Tudo isso vem de uma fonte, o líder. Desde os
detalhes técnicos quanto à maneira como ele segura uma arma ou adapta seu corpo
para responder a situações da vida em geral, o aluno vai revelar algo do mestre
em si, desde que, por tempo suficiente, ele tenha sido treinado correta e
pessoalmente por seu mestre. Ele não é um espelho do mestre; o objetivo do ryu não é criar clones. Como uma parte
grande do ryu está dentro da
personalidade do líder, certo grau de transparência é inevitável.
Ou seja, por meio da demonstração, os
alunos sabem que está sendo transmitido um conteúdo mais profundo. Sabem os
motivos dos rituais que ocorrem durante os treinos, sabem o que significam as
palavras, sabem, enfim, entender motivos e detalhes de suas práticas. No
Brasil, porém, tudo se repete, mas nada se conhece com exatidão sobre isso,
pois estamos no Brasil e não no Japão. O brasileiro não entende, não se
aprofunda, porém, repete diariamente pois acredita que aquilo vai levá-lo a um
crescimento que vai além da técnica, mas não sabe explicar seus fundamentos (os
da prática que repete). Portanto, só observar e repetir, também não é tão
eficiente para o correto aprendizado e transmissão da filosofia contida no Karate-Do.
Em que pese o achado ocorrido nesta
pesquisa, que nos demonstrou que muito da transmissão dos conceitos do Karate-Do se faz pela
demonstração/observação – e não negamos, pois é uma evidência -, tendo sido,
inclusive, enfatizado fortemente por dois dos entrevistados que fizeram a
afirmação de que “raramente” se transmitem esses conceitos de forma oral, sendo
mais utilizada a demonstração, consideramos, com todo o respeito que merecem,
inegável que essa transmissão ocorre de forma mais ou menos priorizada,
dependendo dos(as) professores(as) e que ela só pode ser eficiente se
acompanhada de uma explicação verbal bem fundamentada.
Este praticante de Karate-Do tem, em comparação com os entrevistados que o afirmaram,
uma experiência muito curta nesta arte marcial, ou seja, pratico há 10 (dez)
anos apenas. Nesse período, tive 06 (seis) professores e uma professora[9]. Tanto a professora como 04 (quatro) dos
professores têm a prática de oralizar a filosofia do Karate-Do nas aulas. Ou seja, dos sete, cinco o fazem. Acredito que
vale lembrar que um dos poucos sensei
que tenho o hábito de observar pela internet
faz isso fortemente. Tive, inclusive, a oportunidade de participar de duas
aulas presenciais com ele e numa delas foi reservado um momento exclusivamente
para isso. Portanto, pelo que pude observar como praticante, hoje em dia os(as)
professores e professoras de Karate-Do
tem mais preocupação em passar e cobrar dos alunos conceitos
teórico/filosóficos da sua arte marcial, e a forma de fazer isso depende da
forma de trabalhar de cada um. Muitos preferem somente expressar-se
fisicamente, outros combinam isso com explicações orais, já outros incentivam
seus alunos a buscar por conta própria o conhecimento e cobram isso deles como
um critério para avaliação.
CONCLUSÃO
São muitos os princípios que dão
fundamentação ao Karate-Do e que
seria até impossível querer que os praticantes da arte marcial aqui no Brasil
estudassem e, principalmente, que aprendessem e, mais difícil ainda, que os
praticassem, uma vez que esses aspectos culturais do povo japonês são
aprendidos, não necessariamente nos dojo daquele
país, mas no dia-a-dia em família,
nas escolas, nas empresas, enfim, no cotidiano. São traços que são aprendidos
lá, no Japão, assim como os que aprendemos aqui no Brasil, no nosso dia-a-dia,
que sabemos que um japonês teria muita dificuldade em aprender e praticar.
A influência de tais
filosofias sobre o Karate-Do é tão
forte que, mesmo sendo muitos desses princípios muito mais antigos que o Karate, tendo sido muitos deles
originados na Índia há cerca de 1500 (mil e quinhentos) anos e incorporados
através do tempo nessa arte marcial, alguns autores afirmam que o próprio Karate teria sido ali originado, com o
que não concordamos. Sobre isso, afirma (FILHO, Francisco Dutra, 2015, p. 50):
Existem autores convencidos de que o princípio da
existência do Karate deva ser buscado
na Índia, de onde teria derivado para a China e, finalmente, chegado ao Japão.
Todavia, essa hipótese só encontra algum sentido se a palavra origem for compreendida como a causa
concorrente para o surgimento de alguma coisa, ou seja, como algo capaz de
causar alguma influência para o nascedouro de um outro ente. Somente sob essa
ótica é que a Índia poderia ter participado para a criação do Karate, por ter partido, desse país,
situado na Ásia Meridional, rumo à China, o monge Bodhidharma, apontado como
fundador do Budismo Zen e mentor do Shaolin Kung Fu.
Sobre isso,
(BARTOLO, 2014, p. 24) afirma que:
Com essas novas perspectivas, o Templo
Shaolin teve um divisor em seus objetivos. Os monges mantinham preservado o
verdadeiro Vajramushti, que aliado a
meditação e ao desenvolvimento do espírito, passou a ser chamado de “Ch’na Tao
Chuan” (A arte dos punhos no Caminho da Meditação). Já o povo aprendia com o
nome de Kung Fu Shaolin, os
princípios do Vajramushti associado
ao Kung Fu mais antigo, oriundo de
Huang Ti que tinha como finalidade fazer com que o povo se defendesse dos
oficiais corruptos do governo Manchu.
No século XII, o general Yo Fei da dinastia Sung, com
o monge Chia Yuan, desenvolveu uma série de 173 movimentos, que muitos
historiadores afirmam ser a pedra fundamental do embasamento do Karate-Do.
(FROSI & ZARPELLON, 2011, p. 2) afirma que a origem
do Karate como conhecemos atualmente
não é a Índia, mas, que a classe guerreira de Okinawa, motivada pelas
circunstâncias da opressão que recebiam, criaram os rudimentos do que hoje
conhecemos como o Caminho das Mãos Vazias:
A origem, em geral, das artes marciais é
apontada através da introdução de práticas pelo monge indiano Ta Mo Lao Tse, o Bodhi Dharma, no mosteiro Shaolin
(na China), por volta da década de 520 da Era Cristã (REID &
CROUCHER, 2004). Porém o caso do Karate é muito mais específico.
[...] Foram, portanto, os membros da
casta guerreira de Okinawa aqueles que realmente impulsionaram o
desenvolvimento do Karate-Dō (SHINZATO & BUENO, 2007).
Estudiosos como o
próprio Gichin Funakoshi que era versado nos clássicos da literatura chinesa,
pois, sendo natural de Okinawa, arquipélago localizado ao sul do Japão,
culturalmente muito influenciado pela China devido ao intercâmbio comercial,
diplomático, militar e, consequentemente cultural que havia, incorporou
aspectos culturais tanto da China como do Japão ao pensamento que utilizou para
organizar a arte marcial. Do próprio Japão, podemos citar aqui algumas fontes
dos princípios que estão presentes no Karate-Do
como o Xintoísmo, o Budo, o Budismo
japonês, etc..
Ainda assim, mesmo reconhecendo que é
praticamente impossível que um praticante no Brasil receba de forma adequada
todo o conhecimento sobre isso do seu ou sua sensei, acreditamos que, como é corriqueiro afirmar no meio do Karate-Do, o Karate sem o Do
(partícula que traz em si toda essa conotação filosófica) é apenas uma luta,
sem um caminho filosófico de desenvolvimento mental, espiritual e moral. Sendo
assim, é necessário que os praticantes tenham minimamente conhecimentos a
respeito.
A questão é – e acreditamos que nossos sensei já tenham refletido sobre isso -
como ensinar o Karate-Do de forma
abrangente, ou seja, em seus aspectos físicos e filosóficos num país em que a
cultura é completamente diferente da do seu país de origem, o Japão? Isso é
possível? Outra pergunta: isso é necessário?
Seja como for, o problema levantado
neste pequeno estudo é que muitos acham que estão ensinando esses aspectos tão
característicos da cultura japonesa, com alguma autoridade, sem nunca terem
realizado estudos para que possam ter o mínimo de conhecimento seguro sobre
tais assuntos e os repassam de forma apenas implícita (caso da transmissão pela
demonstração física) ou ineficiente do ponto de vista do aprendizado (caso da
transmissão oral).
Diante das informações que conseguimos
levantar e das opiniões de outros pesquisadores que, de alguma forma, passaram
pelo mesmo assunto que aqui abordamos, concluímos que a resposta à pergunta que
baseou nosso estudo (quais os efeitos da prática de se transmitir oralmente,
décadas após décadas, os fundamentos filosóficos do Karate-Do, para a conservação e correto entendimento desses mesmos
fundamentos e a importância dessa forma de transmissão frente às formas
modernas de se aprender e ensinar essas filosofias?) é que o efeito dessa
prática parece ser o de dar ao Karate-Do
um ar de coisa meio mística, misteriosa, na medida em que essa forma de ensinar
parece ter a intensão de esconder as informações, de não ser claro, explícito
ao ensinar, ou, sendo menos duro nas palavras, talvez, não seja essa a
intensão, mas que realmente não se consiga ser mais eficiente, mais explícito.
Também constatamos que, frente às formas
mais eficientes de ensinar – coisa que há cerca de vinte ou trinta anos, era
praticamente impossível – a oralidade, claro, tem seu lugar. Não fosse assim,
nas escolas e universidades os professores não falariam em sala de aula, apenas
entregariam textos. Porém, esse lugar ou, melhor dizendo, esse espaço que a
oralidade tem e sempre terá em todas as sociedades, deve receber o apoio dessas
formas mais eficientes a que nos referimos acima, recorrendo aos livros, uma
mídia – para usar um termo moderno – altamente eficiente para a transmissão e
fixação do conhecimento, e, evidentemente, a outras formas contemporâneas que
possam completá-lo.
A afirmação de que a oralidade não é um
meio eficiente para a transmissão dos princípios filosóficos do Caminho das
Mãos Vazias não é, obviamente, invenção de nossa parte. Basta observarmos ao
nosso redor que, a todo momento, estamos recebendo e transmitindo informações e
até emoções por via oral e que essa transmissão, na maioria das vezes, caso não
tomemos bastante cuidado com as palavras, acaba por desvirtuar tais
informações. O mesmo, evidentemente, ocorre com os conhecimentos contidos no Karate-Do. Seria ingênuo crer que um
sistema prático/filosófico – se assim podemos nos referir ao Karate-Do – organizado há mais de um
século – e podemos falar em mais de dois, se formos nos aprofundar – sendo
transmitido primordialmente pela oralidade e pela demonstração mundo afora, não
tenha sofrido transformações fundamentais, muito em parte por causa dessa forma
de se transmitir.
Cremos – e isso é apenas uma crença, por
enquanto – que essas transformações e desvirtuações ocorrem muito mais fora que
dentro do Japão, uma vez que, sendo esse sistema, autóctone daquele país, para
os japoneses é tudo muito mais natural e as transformações que a arte marcial
sofre são produto do efeito natural do tempo, e não do desconhecimento, como é
o nosso caso. Daí a inegável importância do estudo sério da nossa parte, para
que não sejamos veículos da desinformação e do desvirtuamento do nosso querido Karate-Do.
Oss!
Obras Citadas
- BARTOLO, P. (2014). Karate-Do: história geral e no Brasil
(2ª ed.). Santos, SP, Brasil: Bueno.
- CALDEIRA, T. P. (1988). A
presença do autor e a pós-modernidade em Antropologia. Novos Estudos, 133-157. Acesso em
08 de 10 de 2022
- FILHO, Francisco Dutra.
(2015). Corpo, mente e espírito no
contexto da arte das mãos vazias: a efetiva contribuição do karate-do shotokan
a essas dimensões do ser. Natal, RN, Brasil: EDUFRN. Acesso em Julho
de 2022
- FROSI, T. O., &
ZARPELLON, J. M. (Abril de 2011). Repensando a história do Karate contada
no Brasil. Revista Brasileira de
Educação Física, 297-312. Acesso em 08 de 10 de 2022, disponível em
https://www.scielo.br/j/rbefe/a/gnJLbYyVVtgcP9hq8LyjdsG/abstract/?lang=pt
- LOWRY, D. (2011). O Dojo e seus significados: um guia
para os rituais e etiqueta das artes marciais japonesas. (J. S.
Freire, Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Cultrix. Acesso em Julho de 2022
- NAKASONE, G. (2005). Os vinte princípios fundamentais do
Karate: o legado espiritual do mestre Gichin Funakoshi (1ª ed.). (H.
A. Monteiro, Trad.) São Paulo, SP, Brasil: Cultrix. Acesso em 2022
- SILVA, H. P. (Julho de
2022). A filosofia "do
Karate-Do" e suas formas de transmissão: uma breve pesquisa sobre os
efeitos da transmissão oral para esses conhecimentos. Natal, RN,
Brasil. Acesso em 09 de Dezembro de 2022
- SILVA, H. P. (09 de
Outubro de 2022). Meus aprendizados
sobre o Karate. Acesso em 09 de 12 de 2022, disponível em
https://estudosdekarate.blogspot.com/2022/10/o-karate-do-e-sua-filosofia-transmitida.html
- Tokitsu, K. (2012). Ki e o caminho das artes marciais.
São Paulo, SP, Brasil: Cultrix. Acesso em Julho de 2022
Fontes da internet
1. https://www.scielo.br/j/rbefe/a/gnJLbYyVVtgcP9hq8LyjdsG/abstract/?lang=pt
Instituto Shinjigenkan do Brasil. (06 de Setembro de 2021). Acesso
em Julho de 2022, disponível em Dojo Kun explicado:
https://shinjigenkan.com.br/dojo-kun-explicado/
2. LAGE,
V. (s.d.). Karate UNB. Acesso em 05
de Julho de 2022, disponível em Os vinte ensinamentos do mestre Funakoshi: http://www.karate.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6:os-20-ensinamentos-do-mestre-funakoshi&catid=175&Itemid=671
[2] Gichin Funakoshi (1868-1957) é um dos grandes mestres do karatê.
Nascido em Okinawa, o local de nascimento do karatê, começou a treinar nas
artes marciais secretas ainda quando criança. Em 1922, a convite do governo
japonês, fez uma demonstração no continente japonês da ainda secreta arte de
defesa pessoal de Okinawa, o que levou à introdução do karatê no restante do
Japão e, posteriormente, em todo o mundo. Funakoshi dedicou a vida a esse
esporte tradicional e escreveu diversas obras clássicas sobre o assunto,
incluindo Karatê-do Nyu-mon, assim como uma autobiografia intitulada Karatê-do:
O Meu Modo de Vida, publicadas pela Editora Cultrix (NAKASONE, 2005, p. 2)
[3] A palavra sensei não foi
flexionada para o plural, porque as palavras do idioma japonês não vão para o
plural como no Português, por exemplo, recebendo um “s”. Uma explicação sobre
isso deixaria este texto mais complexo, por isso, de forma muito simples,
diremos apenas que quando são transliteradas para o nosso idioma, as palavras
do idioma japonês que querem expressar algo no plural não recebem o “s”,
principalmente os substantivos.
[4] Faixa preta é uma das graduações da escola Shotokan de Karate-Do. Em
anexo explicamos essas graduações.
[5] Fazemos neste trabalho uma diferenciação
entre os termos Karate e Karate-Do ao longo do texto. A questão
toda gira em torno da partícula “Do”. Como
informado abaixo, no item nº 6, essa partícula significa caminho e esse caminho
refere-se a uma ideia de buscar uma elevação moral, mental e espiritual ao
longo da vida, que é o próprio caminho a ser trilhado, no caso, por meio da
prática do Karate.
Ao
utilizar a palavra “Karate” (sem a
partícula “Do”), nos referimos a uma
prática apenas física, sem a consideração deste caminho. Já quando utilizamos a palavra Karate-Do, nos referimos à pratica da arte marcial como meio para
se atingir esse objetivo não apenas marcial, mas, também, procurando o
melhoramento do ser como um todo.
[6] Pode-se dizer que ocorreu fenômeno parecido quando, nos primórdios da
chegada do Karate ao Japão, teve que
deixar cada vez mais o seu lado de luta de defesa pessoal forjada nos conflitos
de guerras entre China, EUA, Japão e Okinawa e adquirido características de uma
competição esportiva voltada para a educação do praticante e sua formação como
cidadão útil à sociedade japonesa.
[7] Acreditamos que o que se pode afirmar de maneira aproximada é que as
bases filosóficas absorvidas pelo Karate-Do
foram para si adaptadas e, por isso, passou-se a chamar tudo isso de filosofia
do Karate-Do, assim como cada um de
nós parece ter uma filosofia de vida, mesmo não tendo criado nenhuma filosofia,
apenas tendo absorvido e sendo influenciados por princípios externos a nós.
[8] O professor em questão não terá sua apostila citada ou referenciada
aqui, atendendo a um pedido expresso feito por ele na época em que nos forneceu
o material. Seu nome também não será divulgado, pois, por motivos pessoais,
cremos que ele não gostaria que isso fosse feito. Ainda assim, fica aqui nossa
gratidão a ele por ter nos fornecido tão importante informação.
[9] Inclusive um dos entrevistados, que faz parte deste número e o mesmo
que afirmou que pouco se transmite oralmente nas aulas de Karate-Do, curiosamente não citou em sua entrevista - fica evidente
que foi um esquecimento - que transmite oralmente seus conhecimentos
filosóficos por meio de conversas destinadas especificamente a esse fim em
algumas aulas, tendo até mesmo a prática de solicitar que os alunos façam
pesquisas e apresentem os resultados nessas conversas.