Karate-Do e Bonsai: duas ilusões de ótica

KARATE-DO E BONSAI: DUAS ILUSÕES DE ÓTICA

Humberto Pereira da Silva

Natal/RN, 15/12/2020

 

Alguns praticantes de artes marciais, especialmente as japonesas como o Karate-Do, por exemplo, gostam também de outras práticas vindas do Japão, entre elas está o Bonsai, meu caso.

Essas formas de arte tem muitas coisas em comum e não por acaso foram mostradas juntas ao mundo na conhecida série de filmes Karate Kid iniciada no ano de 1984.

As duas tem, ao que parece, origens, se não comuns, muito próximas. Foram desenvolvidas ali ao redor da China e do Japão, ganhando, posteriormente, fama mundial. Inclusive, tanto o Bonsai como o Karate tem fama de serem crias do Japão, mas isso não é uma informação muito exata.

O Karate-Do desenvolve sua forma japonesa de maneira mais evidente após a morte de Gichin Funakoshi, ocorrida em 1957 – apesar de isso ser um processo que se iniciou antes, por volta de 1922, quando ele foi ao Japão, e muitos dizem que até antes na ilha de Okinawa, e continua ocorrendo até hoje.

Porém, essa arte marcial já existia antes disso nas ilhas Ryukyu, o arquipélago de Okinawa. Sabe-se que muito das técnicas de luta desenvolvidas nessas ilhas foram trazidas da China e ali receberam sua contribuição local, tendo sido criados posteriormente estilos de Karate, segundo se conta em algumas versões, para atender às exigências que o Japão fazia para que essa arte marcial fosse aceita lá.

Assim, em linhas gerais, surge o Karate-Do no Japão, vindo de Okinawa e mais remotamente ainda, pode-se dizer, da China. Porém, a fama fica com os japoneses.

Algo parecido ocorreu com o Bonsai. A arte de cultivar essas arvorezinhas teria sido iniciada há milhares de anos na China. Segundo (Bonsai Empire, s.d.): “Acredita-se que as primeiras paisagens em bandeja foram trazidas da China para o Japão há pelo menos 1.200 anos (como lembranças religiosas)”, ou seja, essa arte teria surgido na China e posteriormente adotada pelos japoneses, que criaram seus próprios padrões de cultivo. É, não é impressão só sua, parece que os japoneses foram bons em absorver coisas de outras culturas e fazer parecer que são criações deles. Tudo bem, isso tem seu lado bom.

              

Fonte: https://www.bonsaiempire.com.br/

Não sou bonsaísta, nem tenho um conhecimento sólido sobre o Bonsai, porém, estou tentando aprender e uma coisa eu já sei: o Bonsai exige que seu praticante tenha um olhar preciso sobre as plantas que modela sob pena de fazer um trabalho ruim e incorrigível. Esse olhar deve recair sobre detalhes como a escolha da espécie, a observação atenta ao crescimento da planta, saber escolher quais galhos formarão a estrutura da árvore, etc.

Como karateka também não sou lá essas coisas, mas também já aprendi que para se desenvolver um bom Karate, é preciso muita observação. Deve-se observar os mais antigos – os bons, porque tem antigos muito ruins – e ver como é o Karate deles, desde a base (como os pés enraizados devem extrair a energia do chão – lembre-se, isso é um karateka e não uma árvore - para dar impulso aos golpes), o ângulo dos joelhos, a rotação do quadril, a respiração e a finalização do golpe. Isso sem falar nos aspectos psicológicos que transparecem durante a prática.

Deve-se, ainda, e principalmente, observar a si próprio. O karateka deve procurar observar seu próprio Karate-Do e ao longo dos anos – sim, o Karate-Do exige anos de prática - ir aperfeiçoando-o tal como a um Bonsai. Essa observação deve recair tanto sobre os aspectos físicos como sobre os psicológicos, assim como faz ao observar os mais antigos.

No Japão há dois princípios chamados omote/ura e tatemae/honne. Segundo esses princípios escreve (Lowry, 2011, pp. 20-21),

Alguns leitores devem saber da existência das duas “faces” do comportamento japonês, tatemae e honne. Estas são, respectivamente, a conduta que o japonês deve mostrar ao mundo – o rosto que mostram para as pessoas que estão fora de seus círculos de conhecidos íntimos – e os verdadeiros sentimentos dele que podem frequentemente ser opostos. [...] Essas facetas são chamadas, entre outras formas, de omote e ura. O lado omote de uma arte são as técnicas visíveis e suas manifestações. O omote de um kata, por exemplo, pode ser o que um observador desinformado quanto ao treinamento vai pensar que é uma sequência de combates combinados com antecedência. [...] A face ura do mesmo movimento, entretanto, pode ser completamente diferente. O suposto bloqueio pode ser na verdade um golpe, cujo significado está oculto por uma distância enganadora entre os dois praticantes”.

Trago esses princípios para notarmos como as duas formas de artes trazem coisas ou lados ocultos. No Karate-Do, conforme a citação acima, só para ficarmos na parte do kata, é muito comum que se entenda que essa forma de prática se resume ou a uma luta imaginária ou combinada, como se ensina às crianças – o que considero uma prática extremamente errada, pois já constrói nos iniciantes ainda crianças a ideia de que o Karate é uma luta imaginária em que os oponentes não podem se tocar -, ou, pior, a uma espécie de dança. Isso ocorre porque se vê apenas o lado omote da prática, ou seja, aquilo que se pode ou que se quer mostrar. O lado ura, porém, onde está toda a verdadeira técnica, só se pode ver com os anos de treinamento, ou, quando o sensei resolve mostrar isso já no início da prática, o que para mim não é problema nenhum, pelo contrário, é muito inteligente.

Na arte do Bonsai, esse lado oculto (ura) aparece quando aprendemos a observar a planta e ver o que ela pode oferecer além de apenas galhos e folhas. Vendo a planta se desenvolver, percebe-se que ela pode se adaptar ou, melhor dizendo, ser adaptada a determinado estilo de Bonsai. Deve-se ter então a capacidade de perceber o lado da planta pelo qual ela “parece estar nos convidando para um abraço”, nas palavras de um professor durante uma aula que assisti, quando ele estava nos dando dicas para escolher a frente da planta, aquele lado que nos parece ser mais bonito, de acordo com o estilo escolhido para ela, e que vai ser exposto ao público.

Sem as capacidades dadas pelos anos de observação e prática, só vamos conseguir ver o lado omote, tanto das plantas como do Karate-Do e, nesse último, só vamos conseguir ver socos e chutes e ainda assim de forma equivocada e incompleta e, nos Bonsai, vamos olhar a planta por todos os lados e não vamos saber ver seu lado mais bonito.

São duas formas de arte que provocam ilusões de ótica. Uma ilusão aos olhos, mas que tem seu início na mente, uma vez que ela não está suficientemente treinada para perceber nem o lado tatemae nem o lado ura das coisas.

Referências

(s.d.). Fonte: Bonsai Empire: https://www.bonsaiempire.com.br/origem/historia-bonsai#:~:text=Embora%20a%20palavra%20'Bon%2Dsai,cultivar%20%C3%A1rvores%20an%C3%A3s%20em%20bandejas.

Lowry, D. (2011). O Dojo e seus significados: um guia para os rituais e etiqueta das artes marciais japonesas. São Paulo: Pensamento.




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