O
KARATE-DO E SUAS ANTROPOTÉCNICAS
Humberto Pereira da Silva
Revisado em 11/09/2024
O Karate-Do consiste em um conjunto de
práticas que envolvem - ou deveriam envolver - os âmbitos físico, mental,
espiritual e moral. Todos esses aspectos são englobados no que se conhece como
Budo e todos são realizados por meio de processos organizados e, às vezes,
inconscientes. Numa tentativa de analisar o desenvolvimento desses processos
que formam o karateka, recorremos ao conceito de antropotécnica, na visão do
filósofo Peter Sloterdijk.
A rigorosa prática do Karate-Do
Em outros textos, fiz algumas afirmações
a respeito do aspecto ascético de algumas práticas do Karate-Do. Seguem algumas citações.
1.
Praticar Karate solitariamente,
às vezes, não é uma coisa fácil, pois temos que sair de um estado mental de
preguiça e conforto para um em que isso seja superado em nome de uma prática
ascética e podemos dizer até mesmo austera. Porém, essa forma de prática traz
grandes benefícios como o desenvolvimento de um espírito mais forte; o alívio
das tensões causadas pela rotina; os benefícios do exercício físico conhecidos
por todos, etc. Isso é parte do Budo. Fonte: https://estudosdekarate.blogspot.com/2021/09/karate-do-uma-arte-marcial-que-se-pode.html.
2.
Por que falei da questão da importância de vivenciar sobre
o assunto abordado? É que para entender o Budo
e falar sobre ele é preciso viver o Budo,
pois isso é uma espécie de filosofia ou estilo de vida, o tal “caminho” (Do) sobre o qual escreve Kenji Tokitsu.
Ele não abrange somente as artes marciais, sendo essas uma expressão possível
dele, mas não a única. Do é como que
uma busca que se realiza pelo caminho da vida e pode ser perseguido, por
exemplo, por meio das religiões, uma vez que essas têm suas práticas ascéticas.
Fonte: https://estudosdekarate.blogspot.com/2021/03/karate-budo-o-que-e-isso.html
3.
Ora, Budo é a
busca do crescimento mental, intelectual e espiritual por meio de uma prática
ascética e, portanto, física [...]. Fonte: https://estudosdekarate.blogspot.com/2021/03/karate-budo-o-que-e-isso.html.
4.
O Budo em si não
tem (pelo menos que eu saiba) princípios escritos e delimitados como um lema,
assim como o Dojo Kun ou o Ni ju Kun do Karate-Do Shotokan[2]. É
como algo implícito na cultura japonesa e que anda paralelamente à filosofia do
Do – também sem princípios escritos,
até onde sei -, buscando que o praticante, por meio da prática ascética,
persiga uma elevação em sua moral durante o trilhar do caminho (Do). Podemos dizer que o Budo e o Do andam juntos. Fonte: https://estudosdekarate.blogspot.com/2021/03/karate-budo-o-que-e-isso.html
Como o tema das práticas ascéticas é
recorrente nos meus textos, creio ser importante clarificar o significado dessa
expressão, assim como o que quero dizer ao utilizá-la, ou seja, qual sentido
dou a ela nos meus textos.
A ascese - ou as práticas ascéticas
- é um termo que se refere a práticas disciplinares, muitas vezes físicas, que
buscam o domínio do corpo e do espírito. Está muito ligada a práticas
religiosas que entendem ser o domínio do corpo um meio de atingir elevação
mental, espiritual e, portanto, moral. Também pode referir-se, por exemplo, a
alguém que dedique horas e horas, com o sacrifício do próprio corpo, aos
estudos, uma vez que a pessoa está buscando, por meio dessa prática,
conhecimento, saber, melhoramento intelectual, ou seja, o corpo sofre para que
a mente se eleve.
O Karate é conhecido por exigir de seus praticantes uma dedicação de
anos e anos para dominá-lo. Muitas vezes o karateka
atinge altas graduações sem ter conseguido dominar satisfatoriamente
determinadas técnicas – por motivos variados, às vezes justos, às vezes não -
que já vem praticando desde os primeiros dias de treino. Não à toa, se diz que
o faixa preta é um faixa branca que não desistiu. Durante esses anos de prática
ele vem sempre, por meio de métodos de treinamento do corpo, buscando
aperfeiçoar-se mais ou menos nos mesmos movimentos o tempo todo. A cada treino
o corpo e a mente absorvem um pouco mais das técnicas e dos ensinamentos, num
processo gradual e contínuo.
Fonte da imagem: https://www.interfilmes.com/filme_21467_O.Faixa.Preta-%28Kuro.obi%29.html
Por outro lado, o karateka busca um “crescimento interno”,
ou seja, paralelamente ao treino do corpo, vai procurando atingir um
aperfeiçoamento moral - que muitas vezes não sabe exatamente o que é. Todos
temos, em alguma medida, conhecimento das duras práticas dos estilos tradicionais
de Karate que, a partir do momento em
que passam a buscar algo além da excelência técnica em luta, ou seja, um
objetivo educacional fundado em valores morais, passam a se encaixar no
conceito de Budo. Por isso, vejo aqui
uma clara ligação entre esses dois conceitos, Budo e ascetismo, onde seus respectivos praticantes são o budoka e o asceta, sendo os exemplos
mais comuns deste último religiosos que sacrificam seus corpos em nome de uma
elevação espiritual, mas, no nosso caso atribuo esta qualificação (asceta) ao karateka. Sobre essa prática
incessante, seja ela física ou mental, em busca de aperfeiçoamento, o que se
aproxima das práticas do Karate-Do,
Sloterdijk[1] é
citado por Brüseke (2011):
Como
exercício defino qualquer operação que conserva ou melhora a qualificação do
ator para realizar a mesma operação da próxima vez, seja ela declarada como
exercício ou não. [...] Exercitar-se exige uma postura ascética, necessária
para garantir as energias que os permanentes esforços de se aproximar do ideal
e de evitar a decadência consomem. (Sloterdijk, 2009, apud Brüseke, 2011, p.
1).
Esses métodos rigorosos de treinamento do corpo e da mente,
ao mesmo tempo que precisam de, dão origem a processos denominados
antropotécnicas, dos quais passo a tratar.
Antropotécnica e o Karate-Do
Um exemplo que entendo como sendo de
uma antropotécnica do Karate-Do é sua
peculiar forma de transmissão de seus conhecimentos. No texto A filosofia "do Karate-Do"
e suas formas de transmissão: uma breve pesquisa sobre os efeitos da
transmissão oral para esses conhecimentos
(Silva H. P., 2022) abordo o tema da transmissão oral nessa arte marcial. Ao
longo dos anos, o Karate-Do, apesar
de ser praticado no Japão e em outros países, dentro das universidades, ou
seja, por pessoas com nível intelectual elevado, e por isso, ter adquirido um
aspecto científico muito forte, dando origem a várias publicações literárias
para a preservação e organização de seu patrimônio técnico e intelectual, no
Brasil, essa intelectualidade dos seus representantes parece ser deixada de
lado[2] em
favor de uma busca apenas pela parte prática da arte e, indo ainda mais longe,
apenas pelos resultados nas competições imediatistas. Quando a busca pelo
conhecimento ocorre – ou uma exibição de um pretenso conhecimento –, ela se dá
de forma superficial e equivocada e muitas vezes baseada apenas em ouvir falar
e achismos. Ocorre que ao se aprenderem as coisas dessa forma, tende-se a
transmiti-las da mesma forma e essa transmissão de conhecimento se dá, então,
fortemente, por meio da oralidade, tornando-se assim, uma técnica – ou melhor
dizendo, uma antropotécnica – para um repassar de conhecimento cada vez mais
frequente, comum e irrefletido.
É notório que essa antropotécnica da
oralidade do Caminho das Mãos Vazias se desenvolveu muito em nosso país, e tem
as características do meio em que se embrenhou, ou seja, a oralidade fortíssima
do povo brasileiro fez seu trabalho dentro dos Dojo e passou a ser a prática preferida das e dos sensei, em detrimento de uma
sistematização da transmissão do conhecimento.
Observando as colocações acima,
percebo que o conceito de antropotécnica nos permite pensar sobre as mudanças
ocorridas ao longo do tempo no Karate-Do.
Creio que a arte marcial de Okinawa passou por dois momentos de grandes
transformações. Um deles foi sua saída da citada ilha para o Japão. As
exigências a que o Karate de Okinawa
– e esta é uma redundância, uma vez que o Karate
não é de outro lugar senão de Okinawa - teve que se dobrar para ser ali
aceito fizeram com que fossem deixadas para trás muitas coisas, o que o afastou
de sua originalidade. Outro grande momento de transformação foram as mudanças
ocorridas em nome de uma modernização na época do nascedouro Karate esportivo e que foram dando
oportunidade para o surgimento de interesses que antes não eram parte tão
fundamental da arte marcial, como a busca por um status gerado pela obtenção das vitórias nas competições e para a
realidade de que muitos professores de Karate
passaram a sobreviver das suas aulas, ou seja, precisaram passar a cobrar por
elas[3].
Sabemos bem o que ocorre com as coisas quando o capitalismo se apodera delas.
As técnicas desenvolvidas para tornar o Karate
algo cada vez mais atrativo e lucrativo tiraram muito de sua essência e o Kata e o Kihon, antes fundamentais, foram passando a ser considerados quase
que um apêndice, algo desnecessário.
O Karate, então, parece ter perdido o controle sobre si próprio, se
permitindo cada vez mais uma simplificação que o afasta, quanto mais o tempo
passa, do que ele é verdadeiramente e de seus elevados princípios espirituais e
morais fundamentados numa cultura que foi por muito tempo hermética e complexa. Nesse sentido vão, Fortunato, Galeno,
& França (2020, p. 7):
No que se refere ao ser humano, a questão crucial que a
onto-antropologia coloca para o tempo presente e futuro concerne
fundamentalmente a como o homem se relacionará consigo e com o mundo da técnica
que aparentemente fugiu a seu controle.
Os efeitos das
antropotécnicas[4]
atingem o ser humano enquanto indivíduo e enquanto humanidade, assim como a
natureza ao seu redor, tanto a imediatamente próxima quanto a que circunda o
planeta, porém, aqui, o alvo dos seus efeitos é o Karate-Do[5].
Diante do desenvolvimento desses processos de “autoadaptação” até certo ponto
inconsciente (o que aqui considero um efeito das antropotécnicas) que proporcionam que o Karate-Do continue existindo frente às
mudanças ao seu redor – principalmente nos âmbitos cultural e econômico – e que
parecem fazer com que o Caminho das Mãos Vazias fuja do seu próprio controle,
pergunta-se: onde o Karate-Do vai
parar?
É impossível responder a tal
pergunta, inclusive porque como o Karate
pode ser dividido em duas grandes vertentes, ou seja, uma que se volta para as
competições, e por isso a denomino Karate
esportivo, e outra que, mesmo podendo ter a prática das competições – ou não -,
não dá a elas importância fundamental, o que considero o próprio Karate-Do – e aqui me atenho mais a esta
segunda -, muito aproximado do Budo, deve-se considerar não uma, mas
duas antropotécnicas, uma para cada vertente do Karate. Sobre esta afirmação, Fortunato, Galeno & França (2020,
p. 08) afirmam:
No
mais das vezes, o emprego da techné toma como orientação os objetivos
referendados pelos valores morais da sociedade ou do grupo considerado. [...]
Do que se conclui que, de acordo com o código moral considerado, tem-se um
conjunto de antropotécnicas correspondentes e maneiras distintas de se
produzir, moldar, treinar o tipo homem.
Observa-se, portanto, que a análise
da antropotécnica desenvolvida depende do código moral aplicado. Cada conjunto
de técnicas tem como guia para seu desenvolvimento um objetivo específico
ditado pela atividade que se realiza ou que se pretende realizar. Numa religião
qualquer, por exemplo, serão desenvolvidas práticas que darão ao ser humano ali
mergulhado os parâmetros para que se realize o comportamento dele esperado e
essas serão suas antropotécnicas com base na moral dessa mesma religião.
O Karate-Do, sendo uma expressão cultural forjada dentro de uma
mistura peculiar de influências fundamentalmente históricas, políticas,
econômicas e religiosas – e talvez essa forma de ver o Karate seja a chave para entender suas particularidades –, teve que
desenvolver suas antropotécnicas específicas para que tanto os corpos como as
mentes nele envolvidos se moldassem a seus parâmetros[6]. Ou seja,
o praticante precisa estar minimamente adaptado, tanto aos costumes da cultura
japonesa como ao que é específico do Karate-Do.
Fortunato, Galeno, & França (2020, p. 08) apontam dois efeitos dessas
antropotécnicas decorrentes de parâmetros morais:
Em
diálogo com Nietzsche pode-se pensar dois tipos específicos de efeitos
produzidos pelas antropotécnicas orientadas pela moral. [...] adestramento.
[...] domesticação. O aspecto inquietante deste raciocínio consiste em que
Nietzsche incorpora essas expressões para se referir ao trabalho do homem sobre
si quando pretende impingir-lhe um modo de viver específico.
Os dois termos acima nos remetem ao
manejo de animais, ao seu controle, e, talvez por isso, como abordado na
citação, esse “aspecto inquietante” que surge quando o filósofo os utiliza para
pensar a socialização humana, ou seja, ele passa a ser moldado e, talvez, nem
perceba. Apesar de tal inquietação, não é difícil pensar que a utilização faz
sentido. No caso do Karate-Do podemos
fazer tranquilamente tal paralelo.
O “adestramento” do praticante de Karate-Do trata-se do seu
condicionamento físico e mental para a prática da arte marcial. Já abordei em
outro texto (Silva H. P., 2021) alguns aspectos das peculiaridades das técnicas
do Karate-Do e a ilusão de que
praticando outra arte marcial alguém consiga melhorar essas técnicas
peculiares. O aluno de Karate-Do
precisa adaptar seu corpo para uma prática de longa duração em que as
repetições dos movimentos, anos após anos, são uma constante necessidade. Isso
se dá por conta exatamente dessas peculiaridades das técnicas de defesa e
ataque dessa arte, que exigem uma aproximação cada vez maior da perfeição de
sua execução e, consequentemente, uma antropotécnica peculiar.
Para tanto, há a necessidade não só
de um corpo, mas também de uma mente adestrada. A necessidade de persistência
durante os anos de prática, tendo-se muitas vezes a impressão de que não se
está evoluindo, pode minar a força de vontade do praticante, que vai buscar algo
mais imediatista, que dê resultados mais rapidamente. Isso parece ser uma
atitude condizente com o modo de vida japonês que busca a excelência em todas
as áreas e em mínimos detalhes, implicando numa “perda de tempo” cada vez
menor. A sociedade japonesa, inclusive por essa busca, pode ser opressora. Mas,
ao mesmo tempo, a pressa parece ser combatida naquela sociedade que cultiva
valores espirituais tão necessitados de paciência, e tanto um como outro desses
aspectos estão presentes nas antropotécnicas do Caminho das Mãos Vazias. Basta
observar que no Karate-do não se
pratica para alcançar a excelência em poucos meses, mas para se trilhar o
“caminho”.
No caso da “domesticação”, é preciso
partir de uma visão mais abrangente da cultura japonesa em sociedade e visualizar
em menor escala essa “domesticação” dentro do Karate-Do. Ou seja, o cidadão japonês vive dentro de uma sociedade
muito peculiar, com um regime que chega a ser opressor. São regras de
convivência que abrangem mínimos detalhes do comportamento das pessoas, para
que essas se moldem e sejam aceitas ali. Tudo é permeado por valores que tem
muito da religiosidade e de um sentimento nacionalista muito fortes.
As artes marciais japonesas, não
somente o Karate-Do, configuram-se
como verdadeiros microuniversos de toda essa cultura. O modo de vida japonês
está muito expresso nos costumes dessas artes. É comum se negar, mas o ambiente
do Karate-Do trás muito, por exemplo,
da religiosidade japonesa. Vários dos costumes preservados nos rituais que
ocorrem durante os treinamentos e nos elementos que compõem um Dojo são fundamentados, por exemplo, no
Xintoísmo, a religião predominante do Japão, e no Budismo. Outro exemplo
inegável dessa influência está no Sumô.
Ali, para nós leigos, não se sabe onde termina o ritual religioso que envolve
as práticas da arte marcial e onde começa efetivamente a arte marcial, ou se
realmente ocorre uma separação desses dois aspectos.
Portanto, é preciso que haja uma
domesticação do praticante de Karate-Do,
ou seja, é preciso que, de certa forma, ele (e aqui me refiro tanto ao nativo
do Japão quanto ao estrangeiro) se comporte como exige a cultura do Japão, para
que possa estar minimamente apto a participar das aulas. Daí surgem
espontaneamente as antropotécnicas para adestrar e domesticar seus praticantes,
a menos que sua prática seja voltada simplesmente às competições, que não se
preocupam com essas questões culturais ou espirituais, muitas vezes vestindo
apenas uma casca sem conteúdo. Assim,
Curiosamente, os ideais ascéticos retornam na virada do
século XIX para o XX. Desta vez não como sine qua non de uma nova
religiosidade, mas, pelo contrário, como expressão da descoberta e valorização
do corpo humano. O atletismo, sob o pretexto da restauração do olimpismo da
antiguidade, reativa o asceta, que, fora de qualquer contexto transcendental,
tenta se superar para conseguir competir com outros atletas envolvidos no mesmo
projeto de autossuperação.
Sloterdijk
constata que o renascimento atlético e somático possibilita e requer “asceses
desespiritualizadas” (Brüseke, 2011, p. 2).
O Karate esportivo encaixa-se na descrição acima, ou seja, adere a
uma ascese desespiritualizada. Já o Karate-Do,
tem - ou deveria ter - uma antropotécnica que inclui nos objetivos de sua
prática do “caminho” (do), uma
transcendência/espiritualização, uma vez que essa prática é norteada pelos
princípios do Budo, que as recomenda.
Conclusão
Assim, como afirmei anteriormente, é
possível, por meio do conceito de antropotécnica, analisar aspectos das
mudanças ocorridas no Karate-Do ao
longo do tempo, mas, com base no que afirma o mesmo conceito, não é possível
prever o que será dele no futuro, uma vez que suas antropotécnicas fugiram ao
seu controle e, quanto mais ele é praticado, dependendo da moral que se aplique
a essa prática, mais essas antropotécnicas vão fazendo com que ele seja cada
vez mais “aperfeiçoado”, mais bem adaptado às suas próprias buscas e esse
processo tem uma autonomia tal que provoca uma inconsciência de sua própria
existência, tornando-o quase imperceptível. Não estranhamente notamos que dessa
mesma forma age o sistema/mundo capitalista referido no início deste texto, em
que está inserido o Karate-Do,
impondo-lhe diariamente suas influências, ou seja, sua despreocupação com as
coisas transcendentais, sua pressa, sua superficialidade.
Tendemos, portanto, a pensar que o Karate-Do será cada vez mais apenas Karate esportivo, já que está imerso num mundo que exige lucros e resultados imediatos a cada momento. Porém, também já afirmei, o Karate-Do pode ser encarado por meio de duas grandes vertentes e uma delas é sua prática “como Budo” (assim se expressa Tokitsu (2012, p. 23)), que deve andar independente do mundo capitalista - pelo menos é o que ele parece nos dizer - pois possui, além de uma filosofia própria, antropotécnicas próprias, o que poderá fazer com que continue a existir e resistir a esse arrastamento tão característico de nosso tempo.
Oss!
Fontes Citadas
- BRÜSEKE,
F. J. (Fevereiro de 2011). Uma vida de exercícios: a antropotécnica de
Peter Sloterdijk. Revista Brasileira
de Ciências Sociais, 26. Acesso em 09 de Janeiro de 2023, disponível
em https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/qJrG3TBdbhDYvKQkWRFNhZL/?lang=pt#
- FORTUNATO,
L., GALENO, A., & FRANÇA, F. (2020). Da Ontologia À Antropotécnica:
Humanismo, Mídias E Domesticação Do Ser. Global Journal of Human-Social Science, XX. Acesso em 09 de
Janeiro de 2023
- SILVA,
H. P. (14 de Novembro de 2021). SE
EU PRATICAR OUTRA ARTE MARCIAL MEU KARATE VAI MELHORA? Acesso em 10 de
Janeiro de 2023, disponível em Meus aprendizados sobre o Karate: https://estudosdekarate.blogspot.com/2021/11/se-eu-praticar-outra-arte-marcial-meu.html
- SILVA,
H. P. (10 de Dezembro de 2022). A
filosofia "do Karate-Do" e suas formas de transmissão: uma breve
pesquisa sobre os efeitos da transmissão oral para esses conhecimentos.
Acesso em 09 de Janeiro de 2023, disponível em Meus aprendizados sobre o
Karate: https://estudosdekarate.blogspot.com/2022/12/a-filosofia-do-karate-do-e-suas-formas.html
- TOKITSU,
K. (2012). Ki e o Caminho das Artes Marciais. (L. C. Cintra, Trad.) São
Paulo, SP, Brasil: Cultrix
[1] SLOTERDIJK, Peter. (2009) Du musst
Dein Leben ändern. Über Antropotechnik. Frankfurt, suhrkamp
[2] Claro que aqui não estou generalizando e reconheço que há pessoas
que dedicam ao Karate toda sua
intelectualidade fazendo dele uma fonte de conhecimento em constante e claro
crescimento, haja vista a publicação de vários livros sobre o assunto no
Brasil.
[3] Certamente que antes da profunda institucionalização e
mercantilização do Karate havia
professores que precisavam sobreviver das suas aulas cobrando por elas. O
próprio Gichin Funakoshi sobrevivia no Japão do que sua arte lhe proporcionava,
porém, não fazia disso um mero negócio.
[4]
Aqui fico limitado para explicar aprofundadamente o conceito de antropotécnica
e recomendamo a leitura de Fortunato, Galeno, & França (2020) para um
melhor entendimento. Na página 8 do artigo o seguinte trecho pode dar um
caminho para o entendimento desse conceito: “Por meio
das antropotécnicas, o homem engendra-se como produto de suas ações sobre si
mesmo e sobre o mundo, e desta forma, é o resultado de todas as reificações
antropotecnológicas de base cujo impulso fundamental foi dado pelo que os
gregos denominaram techné”.
[5]
Faço neste trabalho uma diferenciação entre os termos Karate e Karate-Do ao
longo do texto. A questão toda gira em torno da partícula “Do”. Essa partícula significa caminho
e esse caminho refere-se a uma ideia
de buscar uma elevação moral, mental e espiritual ao longo da vida, que é o
próprio caminho a ser trilhado, no caso, por meio da prática do Karate.
Ao utilizar a palavra “Karate”
(sem a partícula “Do”), me
refero a uma prática
apenas física, sem a consideração deste caminho.
Já quando utilizo a palavra Karate-Do, refiro-me à prática da arte marcial
como meio para se atingir esse objetivo não apenas marcial, mas, também,
procurando o melhoramento do ser como um todo.
[6] Assim, essas antropotécnicas, ao mesmo tempo em que são criadas
pelo Karate-Do, passam a alterar de
forma velada o seu destino e lhe fogem ao controle.